jovem plantação de castanheiros - Quinta Ecológica da Peneda

Que agricultura e floresta para Portugal?

Com o despovoamento do interior e as alterações climáticas, as quais resultam em fenómenos meteorológicos cada vez mais imprevisíveis, com o constante flagelo dos incêndios, associado a um desconhecimento e desinteresse cada vez maior face ao potencial das espécies autóctones, os povoamentos florestais que podemos apreciar por esse Portugal fora resumem-se muitas vezes a monoculturas de eucaliptos, muitos dos quais de surgimento espontâneo e sem qualquer tipo de gestão associada (com todo o risco que isso traz). Verifica-se o aumento da concentração de espécies invasoras como as mimosas, e os solos encontram-se cada vez mais pobres e a água menos disponível. Isto mesmo sucede em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, um Parque com forte presença humana, habitado por uns poucos milhares de pessoas, o qual integra ainda a Reserva Mundial da Biosfera.

O potencial do pequeno produtor – situação em que se encontram os donos da grande maioria dos terrenos de «monte» – para desenhar e implementar modelos de gestão apelativos, multifuncionais e rentáveis das suas áreas florestais é muito baixo, quer devido a falhas de conhecimento técnico, falta de confiança para arriscar em novos modelos e/ou falta de apoios financeiros, quer a falhas de visão e conhecimento técnico das próprias associações que no terreno supostamente podem apoiar os produtores, quer ao próprio enquadramento legislativo da «agricultura» e da «floresta». A nosso ver, para aumentar ao problema da gestão do território, a legislação portuguesa separa de forma estanque o que é exploração agrícola e o que é florestal. E não possui cadastros atualizados de nenhum dos dois, muito menos faz a integração da informação.

Urge desenhar modelos multifuncionais e dinâmicos que associem as visões da agricultura e da floresta – verdadeiras agroflorestas – permitindo fazer coexistir por exemplo árvores enxertadas para fruto e outras com vocação de madeira, bem como com muitas outras espécies, como ervas aromáticas, suculentas, cogumelos. Atualmente, a legislação e os apoios à agricultura e floresta não permitem adotar uma gestão mista, polivalente, e que considere a evolução dinâmica do ecossistema ao longo do tempo, que se pretende em constante construção e manutenção.

Por estas razões, não nos foi permitido, uma vez que concorremos ao apoio no âmbito dos «Pequenos investimentos nas propriedades agrícolas», plantar carvalhos em associação com os castanheiros enxertados para fruta em quantidade expressiva, nem outras espécies que tinham como objetivo fazer aumentar a geração de matéria orgânica para o solo a curto prazo e o reforço da instalação de fungos pioneiros que dão resiliência ao ecossistema, por exemplo. Do lado dos apoios florestais, não nos era permitido plantar árvores enxertadas para fruto em conjunto com árvores com vocação para madeira, e obrigavam a compassos extremamente densos, preferencialmente de 1 ou 2 espécies apenas. Escolhemos situar-nos debaixo do «chapéu» agrícola e abdicar inicialmente de algumas das intervenções pretendidas. E aos poucos dar a conhecer a nossa visão e objetivos e esperar que próximos quadros de apoio estejam já em sintonia com as orientações estratégicas que têm vindo a ser consolidadas no sentido do investimento em agroecossistemas sustentáveis a médio e longo prazo.

As pessoas mais velhas ainda se lembram de quando eram novas e a floresta era um bem precioso e era explorada nas suas multifunções: geração de alimento, de fibras e de madeira, de plantas para medicina caseira, de material para as camas dos animais, e de lazer.


Assim, entendemos que a agricultura e a floresta em Portugal deviam ser entendidas em conjunto, com atenção à sua complementaridade, de modo criativo e dinâmico.

Senão, o que nos resta?

Terrenos abandonados, cada vez mais frágeis perante a ocorrência recorrente de incêndios e perda irreversível de resiliência do povo português.

A nossa realidade em confronto direto com a vontade de implementar uma verdadeira agrofloresta para o Minho

No nosso projeto no Vale (ver artigo «agrofloresta do Vale»), em outubro de 2018, aconteceu o que mais tememos: incêndio!

Apenas graças aos bombeiros (sem desmerecer restantes equipas, uma palavra de reconhecimento ao comandante dos Arcos, Filipe Guimarães), ao presidente da junta de freguesia do Vale, que acompanhou no terreno as equipas todos os minutos e horas, e a uma vontade divina, a nossa plantação de castanheiros não ardeu. Não temos palavras para expressar a nossa gratidão a estes bravos que arriscam a vida a proteger-nos de fogos que começam tantas vezes à noite por via de mãos incautas ou criminosas. Como vêm nas fotos, o fogo entrou no terreno mas parou ao lado da primeira árvore da zona plantada.

Enquanto não encararmos o solo como um recurso inestimável, bem como tudo o que lhe está associado, como a água, a biodiversidade, entre outros, continuaremos a deixar que arda toda a nossa potencial resiliência futura. E se é grave em todo o lado, ainda mais grave é em regiões como esta que habitamos, a qual é reconhecida como Reserva Mundial da Biosfera. Isto significa que aqui ocorrem valores raros, importantes para todo o mundo, e que para os conservar é preciso que as pessoas sejam conscientes do seu futuro comum e da sua interação com o planeta e ajam coletiva e responsavelmente para construir sociedades prósperas em harmonia com a Biosfera.

A Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês-Xurês (RBTGX) foi declarada em 27 de Maio de 2009, pela UNESCO e está localizada na Comunidade Autónoma da Galiza (Espanha) e na Região Norte de Portugal. Abrange uma área total de 267.958 hectares e inclui os territórios do Parque Nacional da Peneda-Gerês e do Parque Natural da Baixa Limia-Serra do Xurês e concelhos abrangidos de ambos os lados da fronteira.
O território é caracterizado pelas serras e planaltos galaico-portugueses e por uma densa rede de linhas de água, de onde se destaca o amplo vale do rio Lima. A orografia, a altitude, as características geológicas e a grande disponibilidade de água, dão lugar a habitats de grande riqueza florística, de onde se destacam formações de matos, de floresta, charnecas e pântanos. Regista-se a presença de 117 espécies endémicas da Península Ibérica e de 2 exclusivas desta área. Na fauna, destacam-se 204 espécies protegidas a nível nacional e/ou internacional e 71 espécies com estatuto de ameaça.

E nós, os habitantes desta zona priviligiada, devemos ser os seus primeiros guardiões. Atentos, sensíveis e gratos.